19 de julho de 2010

A Colheita do Café


A foto foi tomada por volta de 1902-1903 pelo fotografo Guilherme Gaensly numa fazenda do interior do Estado de São Paulo. A análise iconográfica revela um grupo de colonos – provavelmente imigrantes – em plena colheita num cafezal em fazenda da região de Araraquara.
Na época próxima à colheita, que ocorre geralmente em maio, são executadas as tarefas de preparação. Durante o período da colheita toda a família do colono participava do trabalho, inclusive as crianças, como se vê na foto. A colheita é feita por derriças; as cerejas derriçadas, juntamente com folhas e pedacinhos de galhos são rastelados para fora das saias dos cafeeiros. Limpas as cerejas com as peneiras são conduzidas para o lavador ou diretamente para o terreiro. A colheita no pano, registrada ao centro, evita que o café derriçado entre em contato com a terra. Além da informação iconográfica que nos apresenta, por assim dizer, o fato da colheita, tal como se dá no campo, trata-se, por outro lado, de uma foto bastante elaborada sob o prisma estético. Os colonos – no momento da foto, e também personagens de Gaensly – são registrados “naturalmente”, em plena harmonia com o carro de bois e o restante da paisagem montanhosa ao fundo por onde se estende o cafezal: uma perfeita composição.
Na interpretação iconológica a serenidade que esta imagem romântica do trabalho nas fazendas de café transmite mascara uma dura realidade escondida além da imagem.
Na virada do século, os trabalhadores imigrantes constituíam uma massa homogênea, submetida à condição mais ou menos uniforme de miséria [...] rendimentos insatisfatórios [...] rígida disciplina de trabalho. Em 1902 o governo italiano, através do decreto Prinetti, proibia a imigração subsidiada para São Paulo, baseado em denúncias contidas nos relatórios de observadores que para aqui vieram. Constataram eles as péssimas condição de vida e trabalho a que estavam submetidos seus compatriotas nas fazendas de café.
A construção estética desta foto, onde se tem um forte apelo às composições românticas da pintura, tem uma finalidade: a de atrair colonos para as fazendas do Estado de São Paulo, como de fato foram utilizadas pelos agentes de recrutamento de trabalhadores na Europa. Comprova isso o fato de que o fotógrafo era contratado pela Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo para documentar as fazendas do interior, justamente entre os anos de 1902 e 1903, época em que foi tirada esta foto.
As fotos de Gaensly foram continuamente multiplicadas pelas primeiras publicações ilustradas num contexto claramente promocional. Eis o verdadeiro significado desta foto. Uma imagem a utilizar o realismo fotográfico da aparência enquanto testemunho fiel e “prova” que pode conduzir o receptor desavisado a imaginar uma situação verdadeira que não existe, para criar, enfim, no imaginário dos receptores uma (pseudo) realidade. Uma cilada, uma ficção documental.

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